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A ética colocada em dia
Jones Figueirêdo Alves
Avaliar o caráter de uma pessoa somente pelo seu posicionamento político não é ético; também não é justo, nem eficaz.
O caráter de uma pessoa é formado por um conjunto muito mais amplo de valores, ações, escolhas, empatia, responsabilidade, respeito e integridade. Reduzi-lo a uma afirmação política é ignorar toda essa complexidade.
Entretanto, o posicionamento político pode indicar fatores negativos, quando, por exemplo, alguém apoia abertamente políticas discriminatórias ou antidemocráticas, podendo-se, então, levantar questões sobre o caráter da pessoa, especialmente se isso se traduz em ações concretas.
Quando atualmente as mídias sociais ou grupos de WhatsApp festejam o opróbio expressando desprezo, com linguagem grosseira, tais situações reclamam uma profunda reprovação e o repúdio social. Disseminam-se adjetivações desonrantes, ataques pessoais e “fake news”, dificultando opiniões bem- informadas. A ética resulta combalida.
O emissor aético de tais postagens, porta-se como senhor de todas as verdades, em suposto monopólio de todas as certezas. Quando isso acontece, a ética convivencial fica indigente, em prejuízo da dignidade das pessoas. O valor platônico de contemplação do bem, exige uma atitude ética vigilante, para impedir a banalidade do mal. Dirá Fernando Savater: a opinião deve se acercar da verdade para poder convencer a todos.
Como assinala André Comte-Sponville, em seu “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, a virtude, repete-se desde Aristóteles, é uma disposição adquirida de fazer o bem. E o esforço para se portar bem é que define o bem nesse próprio esforço. Assim é a ética, como moral prática. A tanto, ponderou Angèle Kremer- Marietti (L´Éthique, 1989) que “fora da obrigação moral, não há sujeito responsável”, adiantando que “as dificuldades atuais, que são as da moral, poderiam favorecer um novo desenvolvimento da ética”. Eis o desafio oportuno.
Pode-se dizer, em companhia de Zygmunt Bauman (1925-2017), em sua “Ética Pós-moderna” (“Postmodern Ethics, 1993), que na pós-modernidade a moralidade está sem um código ético, quando a dualidade de modelos, expressa a necessidade de limitar a liberdade dos que se apresentam usá-la somente para fazer o mal.
Em seus estudos éticos, Goffredo Telles Junior referiu que o sentimento de dever foi incorporado pela inteligência à natureza do ser humano, ou seja, o sentimento de as pessoas se deverem comportar com determinados ideais (que são os bens de sua perfeição), dentro da ordem atingida (ou atingível) no longo processo da evolução do homem. Mais precisamente, são os juízos de dever, mandamentos para o comportamento social, que formam uma espécie de ordenação ética.
Raduan Nassar, na obra “Lavoura Arcaica”, expressou: “É requinte de saciados testar a virtude da paciência com a fome de terceiros”. Pudera, não se exige ou deva exigir-se a resignação dos que sofrem. Todos nós fazemos escolhas éticas. Então, quantos passos éticos deu a humanidade ao longo dos seus séculos? E qual o próximo passo?
Depois de um século de duas guerras mundiais, do holocausto e de extermínios continuados, seguindo-se as atuais atrocidades com os mais vulneráveis, a fome como instrumento de guerra ou de opressão, os racismos e misoginias, os colapsos geopolíticos-étnicos e a prepotência odienta dos oponentes, é de se indagar haver ou não um efetivo progresso moral do mundo. Designadamente, do déficit acerca do direito das mulheres, dos mais pobres, das minorias significativas e dos oprimidos.
Paul Singer (“Ética no Mundo Real”, 2016), questionou esse tema ao dizer difícil defender tal evolução moral, mesmo diante da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10.12.1948), como ideal comum pelo qual todos os povos e nações devem esforçar-se, quando em seus 77 anos de edição não logrou seus efeitos.
Questões éticas sensíveis continuam sem resposta. Quem polui paga a conta da mudança climática? A ética da comida tem a adequada transparência sobre como se produz, se fornece e se consome? Todas as vidas humanas são consideradas iguais, diante das estatísticas sociais de desigualdades? Como os recursos públicos são empregados sob a égide das mais urgentes necessidades de destinações? Por que são os pobres que morrem mais nas tragédias urbanas ou nos infortúnios das doenças? Como aumentar a felicidade interna bruta, bem social de primeira necessidade, cujos objetivos deveriam ser refletidos no PIB, tornando-se meta inadiável de política pública e orçamentária?
Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês do século XVIII, fundador do utilitarismo clássico, esteve certo. Sua contribuição para a ética é resumida na ideia de que a moralidade de uma ação deve ser avaliada com base em suas consequências. De efeito, "a melhor ação é aquela que promove o maior bem para o maior número de pessoas." Ele propôs um "cálculo utilitário" (o “hedonic calculus”/cálculo felicífico) para pesar os fatores de uma decisão ética. A seu turno, Baruch Spinoza, filósofo da imanência absoluta, notável e atual, sustenta que a ética é o conhecimento do modo correto de vida (“Ética, 1675).
No direito, o enriquecimento sem causa, as responsabilidades civil, parental e negocial, os danos de personalidade, entre outros institutos, pautam a ética sob o enfoque da ordem jurídica.
Segue-se um aviso ético: vive bem quem convive bem. Conviver bem na exata medida que saibamos melhor viver na relação com os outros e dignificá-los. Ao cultivarmos a razão, somos, kantianamente, plantonistas éticos em prontidão do bem, disponíveis sempre ao que seja justo e verdadeiro.
Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista
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